não existe fracasso
questionando nossa tendência de enxergar pontos finais onde existem apenas vírgulas e como isso limita nosso potencial.
Hoje faço aniversário e, como sempre, me peguei revisitando os planos desfeitos do último ano.
Aquela colaboração que não aconteceu. O projeto que ficou pela metade. A ideia que nunca saiu do rascunho.
Essa tendência é quase um ritual: transformar marcos temporais em tribunais onde julgamos a distância entre o que imaginamos e o que realmente construímos.
Mas o que mudou este ano foi como enxergo esse espaço entre planos e realidade.
Passei o último mês processando um projeto cancelado. Um plano de negócio que se desfez depois de tanto investimento de energia. Meu primeiro impulso foi tentar esconder essa imperfeição no meu caminho – negá-la, arquivá-la como falha.
Então me lembrei do kintsugi.
lições do kintsugi
Você já ouviu falar dessa arte japonesa?
Kintsugi é a prática de reparar cerâmica quebrada usando ouro. Em vez de esconder as rachaduras, eles as destacam. Transformam o "defeito" na característica mais preciosa do objeto.




O que era para ser escondido se torna o centro. O que era fraqueza se torna força.
Carrego essas imagens comigo há anos, mas só agora comecei a aplicá-las além das metáforas.
Porque a verdade desconfortável é: vivemos em uma cultura obcecada por trajetórias perfeitas. Linha reta. Ascensão constante. Crescimento ininterrupto.
Como se a vida não fosse feita de desvios, recomeços e quebras.
a falácia do planejamento
Seu plano de 5 anos é uma fantasia. Seu "fracasso" em segui-lo é só a realidade interagindo com uma ficção que você criou.
O kintsugi me lembrou de um conceito que os psicólogos chamam de "falácia do planejador", nossa tendência de criar planos otimistas que ignoram a inevitabilidade de contratempos e falhas.
Você já se pegou fazendo isso? Planejando como se o mundo fosse perfeito e previsível?
Mas o trânsito atrasa.
A economia é instável.
Sua energia não é constante.
E os outros nem sempre cumprem suas promessas.
Quando esses planos inevitavelmente desmoronam, chamamos de "fracasso" o que é apenas o mundo sendo mundo.
o que acontece depois do “não deu certo”
Existe uma diferença essencial entre um erro e um fracasso, e não é o que pensamos:
Erro é um evento externo. Uma tentativa que não deu o resultado esperado.
Fracasso é uma decisão interna. O momento em que você para de tentar.
Eu não fracassei (e acho que você também não).
Cometi uma série de erros, aprendi com eles, e agora estou construindo algo novo.
É a diferença entre descartar algo quebrado e transformá-lo em uma peça de arte, como fazem os mestres de kintsugi.
você só descobre o caminho se tropeçar o suficiente
O sucesso não é alcançado apesar dos erros. É construído graças a eles.
O que mais contribuiu para o meu crescimento criativo foram meus erros. Cada um deles.
Não foram mentores, cursos ou livros.
Aquele projeto que entreguei com falhas gritantes, a apresentação onde eu travei completamente, o feedback ácido que me fez chorar.
Estes não foram desvios do caminho. Eles eram o caminho.
Cada erro elimina uma direção equivocada e cada crítica te mostra um ponto cego.
Remova qualquer um desses tropeços da equação, e o resultado seria diferente. Provavelmente pior. Certamente menos autêntico.
A excelência nunca é uma linha reta. É uma coleção de correções de rota.
E talvez seja por isso que tantas pessoas desistem no meio do caminho. Se veem diante de um degrau e se sentem em um beco sem saída.
Você tem tratado seus tropeços como falhas, mas eles são o próprio caminho se revelando.
todo sucesso é feito de ouro e cacos
A verdade é que não existe sucesso sem uma precisa coleção de erros anteriores.
Aquele relacionamento duradouro? Muitas vezes precedido por relações que ensinaram limites. O negócio rentável? Geralmente veio depois de ofertas que ninguém comprou.
Assim como na filosofia por trás do kintsugi, seus "consertos" não são apesar da quebra, mas parte do novo objeto.
Cicatrizes transformadas em força que tornam sua história única e irreproduzível.
❤️🩹 imperfeição é unânime
Existe uma estranha força em ser abertamente imperfeito. Todo mundo é, claro. Ninguém tem um caminho sem tropeços.
Mas quantos de nós realmente mostram?
Não é à toa que nos aproximamos de quem tem coragem de dizer "olha, eu não sei" ou "isso aqui deu errado pra mim". Essa vulnerabilidade cria mais intimidade do que mil posts sobre métricas positivas e dias produtivos.
As marcas que mais admiramos também perceberam isso. Aquelas que mostram seus processos, que abrem as cortinas e revelam que nem tudo é planejado ou perfeito.
Por quê? Porque confiamos em quem tem coragem de ser real.
A internet normalizou histórias polidas e trajetórias perfeitas. Mas quando alguém quebra esse padrão e diz "ei, eu também estou tentando entender tudo isso", algo acontece. Um suspiro coletivo de alívio.
"Então não sou só eu?"
Em um mundo de perfeições fabricadas, o vulnerável se destaca. A autenticidade ressoa porque é rara.
Pode até existir uma nova forma de vaidade nisso, em ser "autenticamente vulnerável" de propósito, para receber esses aplausos? Sim, mas isso é assunto para outra news.
Por enquanto, só quero propor essa reflexão: e se você deixasse de lado o impulso de aparar as arestas da sua história?
O que aconteceria se, em vez de mostrar apenas o que deu certo, você compartilhasse as dúvidas e tropeços que o levaram até lá?
Talvez você descobrisse que imperfeição não é apenas unânime. É também o que nos torna profundamente humanos e, ironicamente, muito mais confiáveis.
🫧 coisas que estão borbulhando em mim
A frase de Samuel Beckett que tem me acompanhado: "Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better."
Esta entrevista da Sara Blakely, fundadora da Spanx, que conta como seu pai perguntava toda semana: "E aí, no que você falhou esta semana?", celebrando a tentativa, não o resultado
O conceito de "failing forward" da Harvard Business Review, que diferencia "falhas inteligentes" (que geram aprendizado) de "falhas incompetentes" (que apenas repetem erros passados)
nota de rodapé
fracasso é quando você para de construir degraus. o resto é apenas vida acontecendo em toda sua gloriosa imperfeição.
dez anos atrás, perdi alguém que me ensinaria que nenhuma vida segue o roteiro imaginado. aprendi que o luto é um território estranho. nos convence de nossa solidão enquanto cega nossa visão para quem permanece.
o tempo não cura, ele transforma. alquimia lenta onde a dor muda de estado.
como no kintsugi, descobri que minhas quebras não me enfraqueceram, apenas preencheram com ouro os espaços entre quem eu era e quem me tornei.
na teia infinita que nos conecta, ninguém realmente se vai. carregamos uns aos outros na forma de ser, nos traços e em pequenos gestos. apesar das perdas, insistimos em viver. morremos e renascemos a cada dia.
antes dos 25, começo a entender que o tempo é círculo, não linha. que a verdadeira dádiva dos aniversários não é somar anos, mas compreender melhor os anteriores.

Que texto mais lindo! Me fez pensar com mais carinho sobre a minha vida e correlacionar isso com outros assuntos importantes para mim.
Obrigada ♥️
lindo demais <3 não conhecia o kintsugi, que lição!